Dosha é uma palavra em sânscrito que significa “humor biológico”. Esse termo é utilizado na medicina ayurvédica em referência a três tipos de humor biológico-espiritual: vata, pitta e kapha. Para explicar o que são doshas dentro da perspectiva da Ayurveda, como entendê-los no dia a dia e quais são suas relações com a sustentabilidade, entrevistamos a praticante e estudante de Ayurveda há sete anos e psicóloga, Camila Leite. Confira a entrevista:

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eCycle: O que são os doshas?

Camila: Para falarmos de doshas, primeiro precisamos falar dos elementos. Na perspectiva da Ayurveda, todas as formas de vida são compostas pelos cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. Eles se juntam em pares formando três tipos constitutivos, os doshas.

Em sânscrito, dosha significa “humor biológico”. Dessa forma, podemos dizer que temos três tipos de humor biológico que determinam nossa constituição física e psicológica, que se dividem em vata, pitta e kapha:

Vata

O vata é a junção do ar e do éter; é o ar que se move no espaço. Representa o movimento no corpo. É responsável pela interface do sujeito com o mundo e regula o sistema nervoso e a respiração.

Pitta

O pitta é a junção do fogo e da água; é o calor na forma líquida. É responsável pelos processos digestivos e metabólicos e regula todas as transformações bioquímicas do corpo.

Kapha

O kapha é a junção da água e da terra; é a água na forma sólida. Representa a força que constitui o corpo. É responsável pela estrutura e regula a absorção e incorporação dos nutrientes.

Todos nós temos esses três humores atuando no organismo, mas em cada um predomina um ou mais deles – o que configura nossa constituição original de nascimento, física e psicológica. Ao longo da vida, pela ação dos estímulos estressores, vamos nos desequilibrando e nos afastando do nosso dosha original.

A mente possui papel central nessa mudança da constituição. Segundo a Ayurveda, a mente é o repositório das impressões advindas dos sentidos, uma entidade formada pelo contexto social. Nesse sentido, as impressões mais importantes vêm das nossas relações, já na infância, com os pais, onde começamos logo cedo a nos habituar a determinadas impressões e associações – pessoas, alimentos, lugares, e todos os estímulos que estamos expostos.

As impressões e associações às quais nos habituamos dão a tônica de toda atividade mental, tendo muita influência sobre nossa constituição.

A mente fica condicionada a essas impressões e passa – ao mesmo tempo que está se movendo para o exterior e se ligando ao mundo – a se mover constantemente de forma obsessiva no caminho da sua própria memória, que é a forma com que ela se identifica e constitui sua identidade, seu senso de “eu”.

Dentre essas impressões estão principalmente os sentimentos, emoções e crenças, que se fundem a atitudes e hábitos. Esse conjunto constitui nosso modo de ser e viver no mundo, nos afetando enquanto sujeitos.

É no processo do início das associações que começamos a viver de uma forma diferente do que é a nossa constituição original, nos habituando às impressões do nosso meio. Aqui há um ponto de congruência com o estudo da Psicologia, também parte essencial da Ayurveda.

É por isso que viver bem – com saúde e propósito, como falamos – requer conhecimento de si. Quem sou eu e que lugar ocupo nesse mundo? Voltamos para as mesmas perguntas. Precisamos saber quem somos e resgatar nossa constituição original. Gosto de abordar o conhecimento do próprio dosha como um processo de autoconhecimento. É muito valioso quando cada um vai em busca de se conhecer. Muito mais do que quando o terapeuta ou o médico diz “você é isso, então faz aquilo”. Na medicina convencional, o médico dá o diagnóstico e prescreve; a pessoa não consegue se empoderar e ter autonomia sobre as questões do próprio corpo.

O diferencial da abordagem da Ayurveda é tomar as rédeas da vida, empreender o resgate de si pelo autoconhecimento e ampliação da percepção de si mesmo, sobre quem sou e o que estou fazendo. É saber ocupar o próprio lugar no mundo de modo a se autorrealizar.

Saber o próprio dosha pode ser uma ferramenta útil, mas na minha abordagem terapêutica, prefiro falar de algo que é anterior a isso, que é o modo como vivemos – nossa qualidade de vida.

Desfazer os condicionamentos da mente e empreender o resgate de si requer antes uma vida exterior em ordem e equilíbrio e a regulação no contato e interface com o mundo. Ao mesmo tempo, o caminho na busca pela qualidade de vida e de uma relação mais harmônica com o mundo aparece como uma via de mão dupla para o autoconhecimento, pois implica saber perceber a si mesmo e os próprios hábitos para poder transformá-los, ao mesmo tempo em que essa transformação propicia a ampliação da consciência e da percepção de si.

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eCycle: O que são as energias vitais?

Camila: As energias vitais são os correspondentes dos doshas a nível sutil. Elas são três: prana, tejas e ojas.

Essas essências vitais controlam as funções do corpo e da mente e, diferente de como é com os doshas – cujo aumento leva à doença -, o aumento das energias vitais leva à saúde.

A principal energia vital é o prana, que é o correspondente sutil do dosha vata.

O vata também aparece como principal dosha, sendo conhecido como o senhor das doenças. Ele é o ar e o éter, o movimento no corpo. Então, quando ele se desequilibra, impulsiona os outros doshas. O vata está por trás da maioria das doenças e tende facilmente a se desequilibrar no mundo agitado que vivemos. Já o prana é a força vital que anima o corpo e está na base dos doshas, de modo que a saúde depende da sua presença em nossas vidas.

O aumento do elemento ar na forma de vata gera desequilíbrio, mas esse mesmo aumento do elemento ar na forma de prana gera equilíbrio. O prana é a qualidade positiva de vata. É preciso conhecer vata e prana para lidar com eles de forma correta.

eCycle: O que são os gunas?

Camila: Os gunas são qualidades. Também são três: sattva, rajas e tamas. Eles são a qualidade da energia que compõe as impressões. Tudo no mundo é energia que está dotada de uma qualidade, que são essas três.

Sattva

  • Sattva é o domínio da harmonia.

Rajas

  • Rajas é o domínio da ação.

Tamas

  • Tamas é o domínio da inércia.

Os três oscilam e têm cada um sua função. A respeito de tamas, que é a estagnação, você pode pensar: “nossa, que ruim, viver estagnado”. Mas tamas tem sua utilidade, pois a estagnação é o que nos ajuda a dormir a noite, por exemplo.

Pela manhã, já temos um pouco mais de rajas, que é a energia da ação.

Então existe uma dança entre os gunas, os doshas e as energias vitais. Todos são importantes e possuem uma função. Geralmente rajas e tamas predominam, em função da forma como vivemos. Mas o ideal, na Ayurveda, é que predomine sattva, num estilo de vida saudável, equilibrado e harmonioso.

Para resumir e simplificar, os doshas correspondem ao nível físico, as essências vitais, ao nível sutil e os gunas, ao nível causal – corpo, mente e espírito, respectivamente. Os três estão interligados, se afetam mutuamente, e possuem níveis de nutrição. De modo geral, são nutridos pelo regime alimentar, pelo sono, pelo exercício físico, pelas impressões (a harmonia da mente, dos sentidos e das experiências), pela absorção da verdade (o autoconhecimento), pelo pranayama e pelo uso de mantra e meditação. São esses fatores que determinam a qualidade da nossa saúde e da nossa vida, para uma existência sattvica.

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Como viver a Ayurveda no dia a dia?

Camila: Com toda essa teoria pode parecer complexo vivenciar os ensinamentos da Ayurveda no dia a dia. Na verdade, existe um grau de detalhamento na percepção da vida, mas também existe um grau de simplicidade que está no aqui e no agora, no plano mais palpável, que é a forma como vivemos nossa vida, nossos hábitos e tendências.

Vejo algumas pessoas contra-argumentarem que a Ayurveda não é aplicável. Mas isso não é verdade. Tem graus e graus de aplicabilidade. Tem pessoas que conheceram seu dosha, querem viver de acordo com ele e ficam sofrendo com isso. Mas como eu disse, a prática dos conhecimentos da Ayurveda é anterior a ser um determinado dosha. É compreender a vida e se perceber nela. É buscar responder às perguntas: como estou vivendo? Quem sou eu? E buscar o autoconhecimento e a percepção de si para viver bem e melhor, dentro da sua realidade e possibilidades.

O que o equilíbrio dos doshas tem a ver com sustentabilidade?

Camila: Para mim, sustentabilidade e o equilíbrio dos doshas têm tudo a ver. Inclusive meu caminho de encontro à Ayurveda foi por meio da sustentabilidade. Estudei Gestão Ambiental e, nesse caminho, fui levada à Ayurveda.

é viver de forma equilibrada e harmônica com o meio – interior e exterior – consigo próprio e, consequentemente com o exterior e com aqueles que estão ao seu redor, inclusive a natureza. A sustentabilidade não é diferente.

Quando falamos em sustentabilidade pensamos numa transformação coletiva, na forma com que estamos lidando com os nossos recursos, com nossos resíduos. De modo geral, falar em sustentabilidade é pensar na forma como estamos lidando com a natureza. Mas para termos essa mudança precisamos, necessariamente, de mudanças individuais.

Começamos no um a um para haver uma mudança global. A beleza da Ayurveda é trazer a percepção e a responsabilidade para cada um, e, aos poucos, transformar toda a realidade em que vivemos.

Imagine todos vivendo de forma saudável e equilibrada? Isso significa não ter doença, exploração, pobreza. Nesse caso, poderíamos dizer que estamos vivendo de modo sustentável. Falar em sustentabilidade é o mesmo que falar de uma vida que se sustenta por si mesma, em equilíbrio e autorregulação.

Camila Leite compartilha seus aprendizados para a restituição da saúde e bem-estar por meio de métodos chamados Desenho de Rotina e massagem Abhyanga. Saiba mais como ela agrega o autoconhecimento na sua prática terapêutica em seu site pessoal: www.camilaleite.com/

Stella Legnaioli

Jornalista, gestora ambiental, ecofeminista, vegana e livre de glúten. Aceito convites para morar em uma ecovila :)

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