Poluição do ar afeta todos os órgãos do corpo

Estudos revelam danos da cabeça aos pés, o que inclui demência, doenças cardíacas e pulmonares, problemas de fertilidade e redução da inteligência

Imagem: Étienne Beauregard-Riverin on Unsplash

A poluição do ar pode estar danificando todos os órgãos e praticamente todas as células do corpo humano, de acordo com uma nova e ampla revisão global do Fórum Internacional de Sociedades Respiratórias.

Divulgada pelo jornal britânico The Guardian, a pesquisa mostra danos da cabeça aos pés, de doenças cardíacas e pulmonares a diabetes e demência, passando por problemas no fígado e câncer de bexiga, ossos frágeis e pele danificada. Fertilidade, fetos e crianças também são afetados por ar tóxico, segundo a revisão. O dano sistêmico é resultado de poluentes que causam infecções e, em seguida, entram na corrente sanguínea e inundam o organismo de partículas ultrafinas.

A poluição do ar é uma “emergência de saúde pública”, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), com mais de 90% da população mundial suportando ar tóxico ao ar livre. Uma nova análise indica que o problema é responsável por 8,8 milhões de mortes precoces a cada ano – o dobro de estimativas anteriores e uma causa de morte maior do que o tabagismo.

O impacto de diferentes poluentes sobre várias doenças ainda é desconhecido, mas os dados sugerem que os já bem conhecidos danos cardíacos e pulmonares são apenas “a ponta do iceberg”.

“A poluição do ar pode prejudicar todos os órgãos do corpo de forma aguda e crônica”, concluem os cientistas do Fórum de Sociedades Respiratórias Internacionais nos dois artigos de revisão, publicados na revista Chest. “Partículas ultrafinas passam pelos pulmões, são prontamente captadas pelas células e transportadas pela corrente sanguínea, expondo virtualmente todas as células do corpo”, acrescentam.

O professor Dean Schraufnagel, da Universidade de Illinois em Chicago, que liderou as análises, disse: “Eu não ficaria surpreso se quase todos os órgãos fossem afetados. Se algum está faltando [na revisão], é provavelmente porque ainda não houve pesquisa”.

A revisão apresenta dados muito fortes, segundo a Dra. Maria Neira, diretora de saúde pública e ambiental da OMS: “Isso se soma à evidência mais forte que já tínhamos. Existem mais de 70 mil artigos científicos que demonstram que a poluição do ar está afetando nossa saúde”. Ela acredita que mais impactos serão revelados em pesquisas futuras, como nos casos de Parkinson ou Autismo, doenças para as quais já existe alguma ligação com a poluição, mas pouco conclusiva.

Como a poluição do ar atinge todas as partes do corpo

A OMS chamou a poluição do ar de “assassina silenciosa” porque seus efeitos generalizados não são frequentemente atribuídos ao ar tóxico.

Pulmões e coração

  • Os efeitos nocivos do ar sujo mostrados na revisão começam quando a poluição é inalada. Isso resulta em problemas respiratórios, da asma ao enfisema ao câncer de pulmão. Agora há provas contundentes de que a poluição do ar resulta em sérios danos não apenas para os pulmões, mas também para o coração. Aqui aumenta o risco de ataques cardíacos, pois as artérias se estreitam e os músculos enfraquecem.
  • Uma das razões para o amplo dano causado pela poluição do ar é que partículas muito pequenas podem penetrar nos pulmões e ser transportadas pelo corpo. “Elas pousam nos órgãos diretamente”, disse Schraufnagel.
  • “Estudos em animais mostraram que elas podem percorrer o nervo olfativo até o cérebro”. Uma área emergente de pesquisa também sugere que a poluição do ar pode afetar a maneira como os genes funcionam, acrescentou.

Cérebro e mente

  • Acidentes vasculares cerebrais, demência e redução da inteligência são todas condições que afetam o cérebro que têm sido associadas à poluição do ar.
  • Há também evidências de que o sono insuficiente pode ser consequência da inalação de ar tóxico.
  • A principal razão para os danos de longo alcance da poluição do ar é a inflamação sistêmica, disse Schraufnagel. “As células imunes pensam que uma partícula de poluição é uma bactéria, vão atrás dela e tentam matá-la, liberando enzimas e ácidos”, explica.
  • “Essas proteínas inflamatórias se espalham pelo corpo, afetando o cérebro, os rins, o pâncreas e assim por diante. Em termos evolutivos, o corpo se preparou para se defender contra infecções, não poluição”.

Órgãos abdominais

  • Um dos muitos órgãos afetados é o fígado. Schraufnagel conta que a princípio isso o surpreendeu, até que ele pensou sobre o papel do fígado na remoção de toxinas do corpo: “Faz todo o sentido, mas eu não teria pensado nisso antes de começar o estudo”.
  • A pesquisa destacada na revisão também vincula a poluição do ar a inúmeros tipos de câncer, inclusive na bexiga e no intestino, onde um aumento na síndrome do intestino irritável também foi encontrado.
  • Até mesmo a pele e os ossos são afetados, com o envelhecimento da pele, urticária e ossos frágeis associados ao ar tóxico.

Reprodução, bebês e crianças

  • Talvez o impacto mais perturbador do ar tóxico seja o dano à reprodução e às crianças. A fertilidade é reduzida e os abortos espontâneos aumentam por conta da exposição à poluição do ar.
  • Os nascituros também são afetados – um estudo recente encontrou poluentes nas placentas que nutrem os fetos.
  • A poluição do ar também está fortemente ligada ao baixo peso de nascimento para bebês, o que tem consequências para a vida toda.
  • As crianças são especialmente vulneráveis, segundo a revisão, já que seus corpos ainda estão se desenvolvendo.
  • A exposição ao ar sujo leva a pulmões atrofiados, aumentos na obesidade infantil, leucemia e problemas de saúde mental.

“Os médicos precisam falar”

Schraufnagel se preocupa com o fato de muitos médicos não estarem conscientes desse amplo dano associado à poluição do ar. “Alguns não têm idéia de que a poluição do ar afeta os órgãos em que se especializaram. Mas isso afeta seus órgãos também e eles deveriam prestar mais atenção e educar seus pacientes quanto a isso”.

Como os pesquisadores não podem testar suas hipóteses em pessoas, muitos estudos mostram apenas associações significativas entre a qualidade do ar e as doenças, mas não podem provar a relação causa e efeito.

No entanto, Schraufnagel disse que evidências particularmente convincentes vêm de três tipos de estudo: em locais onde a poluição do ar e determinada doença mudaram ao longo do tempo, onde a “dose” de poluição se correlaciona com os níveis de doença e estudos em animais. Um exemplo é a ação do governo chinês para reduzir a poluição antes das Olimpíadas de Pequim, em 2008, que levou a um aumento no peso de nascimento dos bebês na cidade.

“Efeitos nocivos da poluição ocorrem até mesmo em níveis abaixo dos padrões de qualidade do ar antes considerados seguros”, alertam os cientistas da revisão, entre os quais há representantes de todos os continentes. Eles acrescentam: “A boa notícia é que o problema da poluição do ar pode ser resolvido”.

“A melhor maneira de reduzir a exposição é controlá-lo em sua origem”, disse Schraufnagel. A maior parte da poluição do ar vem da queima de combustíveis fósseis para gerar eletricidade, aquecimento de casas e transporte de energia.

“Precisamos trabalhar esses fatores de uma maneira muito dramática”, declarou Neira. “Provavelmente somos a primeira geração da história a ser exposta a um nível tão alto de poluição. As pessoas dirão que em Londres ou em outros lugares foi pior há 100 anos, mas agora estamos falando de um número imenso de pessoas expostas por um longo período”.

“Temos megacidades onde todos os cidadãos respiram ar tóxico”, disse ela. “No entanto, com todas as toneladas de provas que estamos coletando agora, os políticos não poderão dizer que não sabíamos.”



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